Reconhecendo um texto narrativo

A moça tecelã, de Marina Colassanti

Alguns comentários sobre o conto:

título: A moça tecelã. (COLASSANTI, Marina. in-Doze reis e a moça no labirinto do vento. 11.ed. São Paulo: Global Editora, 2001.p. 9-14.)

No inicio, a narradora apresenta a tecelã, o ambiente em que ela vive, seus hábitos ao seu tear - vivia a tecer. A peça que ela tecia era um tapete, que nunca acabava, e nele, ela ia colocando as cores das lãs, de acordo com a sua vontade e necessidades. Por exemplo, se o dia estava quente,ela escolhia longos fios prata, e aos poucos, o tempo ia mudando, até chover. Assim ela foi percebendo que podia, na escola das lãs, satisfazer suas vontades.

«Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça   colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais        felpudo.»

Dessa forma, a moça escolhia um tipo de fio (verbo ação), tecia sobre o tapete (verbo de ação-processo) e a natureza criava o que ela havia idealizado (ocorria outra ação).

«(...) escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.» 

O verbo de ação brigar liga-se a um sujeito (frio e vento, agentes não-animados) e a um complemento comitativo (com as folhas); o verbo de ação-processo espantar liga-se ao mesmo sujeito e a um complemento paciente (os pássaros); o verbo bastar (estado) representa algo suficiente: bastava a ação cotidiana de tecer com os fios dourados, que o resultado aparecia - a ação de o sol voltar e acalmar (ação-processo) a natureza (paciente do processo). Os verbos de ação jogando a lançadeira, batendo os grandes pentes, apontam para um sujeito agente, e passava seus dias indica um sujeito paciente.

Observe-se a sequência:

"Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de linha que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.  Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer".
  • faltava o que a ela? – nada. Se ela tinha fome, tecia, e aparecia um resultativo – um lindo peixe, pronto para ser comido. Observa-se o verbo lançar, um verbo de ação-processo com um sujeito agente e um complemento instrumental e, em seguida, o verbo dormir, que é o processo resultado da ação do verbo anterior. Essas ações levam à estatividade. No entanto, a sua própria ação de tecer e tecer lhe traz algo, que lhe altera o cotidiano, pelo verbo de ação interna pensar:

      «Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se     sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao lado.»

Aos poucos, a personagem vai sendo beneficiária de suas próprias ações. O último fio entremeado resulta em um sujeito agente que bate à porta e entra na vida da tecelã . Surge o desejo, não concretizado em ações, da tecelã de tecer os filhos para completar sua felicidade. Mas marido muda os planos da moça:

«Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu.»

Agora novos pensamentos, desejos de mudança, partem do homem que almeja novas ações a serem realizadas pela tecelã para a construção de um palácio (o resultativo do verbo de ação-processo tecer):

«Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha     tempo para arrematar o dia.»

A moça continuava a tecer o castelo, segundo as ordens do marido, o que provocou o processo de entristecer-se. Após o resultado das ações da tecelã (o resultativo é o castelo pronto), surgem novas ordens. Com tanto trabalho volta à insatisfação a vida da tecelã. Apesar de verbos de ação, ação-processo e volição: tecia, fazia, enchendo, queria, verifica-se o excesso de trabalho, isto é, uma tensão que gera uma expectativa de que pode acontecer uma mudança de situação, do estado em que a tecelã se encontra.

«E pela primeira vez pensou como seria bom estar sozinha de novo. Só esperou anoitecer.» 

Novamente surge o verbo de ação pensar, que explicita pelo complemento o desejo de realizar algo novo:

« (...) desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que    continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o     jardim além da janela.»

Agora ocorre um processo inverso: a desconstrução de tudo o que foi feito – todas as ações praticadas devem ser desfeitas. Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando devagar entre os fios delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

No fim do conto, tudo volta ao ponto inicial em que tudo começou.

Professora de Língua Portuguesa - Glória E. Galli - Formação - Letras na UNAERP e Mestrado em Linguística pela UFSCar
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