Razões para conhecer o tempo pretérito mais-que-perfeito

O tempo verbal pretérito mais-que-perfeito expressa uma ação passada ocorrida antes de outra ação passada ter-se iniciado. Tomemos, como exemplo, um trecho do conto Sorôco, sua mãe, sua filha, de Guimarães Rosa:

Excerto 1
“Aquele carro parara na linha de resguardo, desde a véspera, tinha vindo com o expresso do Rio, e estava lá, no desvio de dentro, na esplanada da estação. Não era um vagão comum de passageiros, de primeira, só que mais vistoso, todo novo. A gente reparando, notava as diferenças. Assim repartido em dois, num dos cômodos as janelas sendo de grades, feito as de cadeia, para os presos. A gente sabia que, com pouco, ele ia rodar de volta, atrelado ao expresso daí de baixo, fazendo parte da composição, Ia servir para levar duas mulheres, para longe, para sempre. O trem do sertão passava as 12h45m.”

Sorôco, sua mãe, sua filha. ROSA, J.G. Primeiras estórias. Fronteira: Rio de Janeiro, 2005. p. 61. {: cite=recuo.lpeu}

Muitas pessoas não veem razões para estudar a conjugação dos verbos, especialmente, o emprego do tempo ‘mais que perfeito do modo Indicativo. É um engano. É um tempo muito usado em narrativas históricas e, muitas vezes, os próprios alunos usam espontaneamente em suas narrativas, mesmo na fase inicial de produção de textos e não se dão conta do uso que estão fazendo. Na língua falada, esse tempo é substituído pelo mais que perfeito composto: «falara (= tinha falado); fizera (= tinha feito); entrara (= tinha entrado)».

Vejamos outros excertos, agora, do livro Alice no país das maravilhas, de Lewis Carrol:

Excerto 2
“[...] Contudo, logo se deu conta de que estava na lagoa de lágrimas que chorara quando tinha quase três metros.”

Excerto 3
“[...]
“Que seja do agrado de Vossa Magestade”, disse o Dois num tom muito humilde, pondo um joelho no chão enquanto falava; “estávamos tentando...”
“Entendo!” disse a Rainha, que nesse meio-tempo estivera examinando as rosas.

(Clássicos Zahar: RJ, 2009, p.28 e 96). {: cite=recuo.lpeu}

No excerto 1, o narrador relata que havia um vagão de passageiros no pátio e que este vagão havia parado no pátio no dia anterior. Portanto, a ação de ‘parar’ ocorre antes de ‘estar’ no pátio.
O mesmo ocorre nos excertos 2 e 3. Em (2) ela chorou ... chorou e criou-se um lagoa; agora, ela está na lagoa. Em (3), nesse momento a Rainha está conversando, porém, um pouco antes, estava examinando as rosas.

Pelos exemplos, confirmamos que usa-se o tempo pretérito mais-que-perfeito nas narrativas para relatar uma ação passada ocorrida antes do início de uma outra ação. É por isso que diz-se que esse tempo expressa o passado do passado.

nota:
grifos nossos.

Ver também Tempos verbais

Professora de Língua Portuguesa - Glória E. Galli - Formação - Letras na UNAERP e Mestrado em Linguística pela UFSCar
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