Interpretando textos por glosas e paráfrases

«O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.»

(Sermão do Bom Ladrão. Padre Antonio Vieira. Cap.IV. 1655. Domínio público. Editoração eletrônica.) {: class=recuo.lpeu}

o trecho:

«[...] Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim.

  • Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. [...] Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e outros definiu com o mesmo nome: Se o Rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata, o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.[...]»

O excerto acima pertence ao Sermão do Bom Ladrão , do padre Antonio Vieira. Nesse texto, o autor faz uma crítica à justiça desigual para pobres e ricos. Apesar de ser um trecho de interpretação fácil, seguem abaixo algumas técnicas que ajudam o estudante a compreender o efeito que as palavras causam no texto.

Interpretação do texto.

Usando paráfrases e glosas torna-se mais fácil interpretar os textos. Vieira, para ilustrar o seu sermão, usa figuras e passagens históricas. O excerto acima apresenta o cenário em que Alexandre, o imperador, repreende um pirata que roubava os pescadores. Ao ser abordado pelo rei, o pirata defende-se: ele rouba em barca e é ladrão, e por que, o rei, que rouba em armada, é imperador?

Criando glosas da fala do pirata, observamos melhor esse paradoxo:
(1) Quem rouba barca é ladrão / Quem rouba armada é imperador.

Em (1) temos um paradoxo, pois:
(1a) Quem rouba pouco é condenado / Quem rouba muito é condecorado.

A afirmação,
(2) « Assim é. », apresenta uma modalidade assertiva afirmativa, com valor apreciativo e injuntivo, pois, o sujeito enunciador assume sua posição diante dos dois argumentos, ou seja, um valor de verdade: «Assim é que as coisas funcionam» «Essa é a forma de justiça»

Em seguida, a conjunção «mas», desvia o assunto para outra proposição. E criamos outras glosas:

(3) «Sêneca sabia bem distinguir as qualidades e significações»
(3) a «Sêneca sabia interpretar as significações»
(3) b «Sêneca diz que se o pirata rouba é ladrão»
(3) c « Sêneca diz que se o rei rouba é ladrão»
(3) d « Sêneca diz que se quem faz o que o ladrão faz, ele é ladrão»
(3) e « Se o Rei da Macedônica faz o que o ladrão faz, ele é ladrão»
(3) f «Se (3)e é verdade, rei e pirata são ladrões»

Portanto, por meio de glosas, podemos fazer uma releitura do texto, observando em linha reta o objetivo de cada pensamento. Constatamos que Vieira assume a afirmação dos enunciados, mas foge da responsabilidade de ser o autor deles: os primeiros são de autoria do pirata e os outros, de Sêneca – a este coube a função de definir as ações e nomeá-las. Para reforçar a seriedade dos julgamentos, Vieira, antes de apresentar as postulações de Sêneca, apresenta, em primeiro lugar, o grau de competência do filósofo, ao dizer que ele sabia interpretar as significações.

Notas:

Paráfrase: explicar a forma enunciada explícita por meio de outras palavras. {: class=recuo.lpeu}

Glosa: é o entendimento pessoal de cada enunciado. {: class=recuo.lpeu}

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Professora de Língua Portuguesa - Glória E. Galli - Formação - Letras na UNAERP e Mestrado em Linguística pela UFSCar
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